Morte e Renascimento. Um itinerário só de ida

Felipe Lima*
Respire fundo. Quando foi a última vez que você sentiu que é você mesmo?

Felipe Lima
Felipe Lima

Quando estávamos na barriga de nossa mãe, especulações a cerca de nosso provável nome viravam temas de conversa vinculados a possíveis características que poderíamos ter. Ou melhor, vir-á-ser.

Para Freud, Vigotsky e outros teóricos, nos tornamos seres pensantes a partir da aquisição da linguagem. Ninguém nunca ousou dizer o contrário. Faltaram-lhe palavras.
Transpessoais como Groff e Wilber abriram portas sobre a formação da consciência ainda em fases perinatais. Para estes, somos mais que seres pensantes; somos seres respirantes, e o momento do primeiro influxo de ar, marca nossa existência individualizada ferindo os ponteiros do relógio para uma vida na finitude do Kairós.
E se a vida é finita… se ao final dela vamos ter que nos separar de tudo e todos que gostamos (porque do que não gostamos será uma benção!), que graça tem em vive-la?
Nascemos! Perdemos nosso abrigo. Depois perdemos o peito. Perdemos a inocência, perdemos nossos sonhos, perdemos nosso juízo, perdemos nossa espontaneidade. Perdemos nossos pais. Perdemos nossos dentes. Pra depois nos perdemos em um oceano. Perdemos o oceano.
Quando Deus pariu o mundo de seu ventre disse: “-Faça-se luz”. Não no sentido luminoso, nem numinoso, mas enquanto movimento. Os antigos se referiam a prana, atman, pneuma, anima, alma que tanto nos remete ao movimento do ar quanto à vibração.
Já no nosso mundo emergimos de um espaço dominado pelos ritmos da mãe para o ambiente aberto do universo. A imensidão do palco. E assim vamos nascendo várias vezes ao longo da vida para uma dimensão cada vez maior.
O primeiro nascimento é para a dimensão da organicidade. Então nascemos cheios de mãe. Temos o cheiro da mãe. De mãe e de cultura. Estamos cheios. Somos filhos da colonização, da culpa e carregamos uma cruz. Ou somos Bhrâmanes, Shatrias, Sudras… É preciso estar cheio e depois esvaziar.
Respirar é se afirmar! É a possibilidade de renascer a cada instante. Uma energia fina com a qual descobrimos quem somos enquanto indivíduos. Nascer é uma prova. Prova de nossa disposição para nascer de novo.
Depois que se nasce é possível não (re)nascer mais. É quando fechamos nossa visão para o sentido da vida. Podemos fechar os olhos do coração para o sentido de uma experiência, para o impulso de liberdade.
Os antigos falavam que o mundo é uma ilusão. Talvez porque vivamos a vida e para certas coisas digamos: “Por isso ou aquilo eu não quero passar nunca mais!”. O choro do bebê que nasce, sempre me pareceu sussurrar isso. Os “zeros” nas provas de matemática, a derrota do campeonato de golzinho do bairro, a primeira demissão, o primeiro divórcio…
Entre vitórias e malogros o que nos resta? O que nos restará no futuro do que estamos hoje lutando?
Certamente nada. Apenas a vontade de nascer de novo.
Toda experiência vivida profundamente pode evocar uma vontade de renascimento. Falaram do fogo serpentino de Kundalini, que muitos pensam se extingue gradativa e exponencialmente após os quarenta. Kundalini significa assinatura. Só assinamos o que é nosso, em autenticidade. Uma obra identifica o próprio artista, e então dizemos: “Olha aquele Picasso” “Você leu Bukowski?”. E nossa vida? Não seria uma série de assinaturas que marcam aquilo que tocamos e nomeamos quando nasce?
Felipe Lima é Psicólogo Transpessoal de base corporal formado pela PUC-GO, Instituto Serra da Portaria.

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Um comentário em “Morte e Renascimento. Um itinerário só de ida

  • 21 de novembro de 2014 em 9:21
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    Felipe Lima, parabéns grande pensador e formador de opinião vamos parir esse Kundalini que carregamos dentro de nós e vamos rebentar de fazermos gol no próximo domingo.

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