O Parque Nacional e suas águas em debate na Chapada dos Veadeiros

POR EDUARDO SÁ

Os Desafios da Chapada dos Veadeiros foi mais um dos temas das Rodas de Prosa da Aldeia Multiétnica na tarde desta quarta-feira (19/07). O objetivo foi dialogar sobre o aumento do território do Parque Nacional, a Área de Preservação Ambiental (APA) de Pouso Alto e a questão do uso da água na região. A preocupação por parte dos moradores em relação à expansão dos monocultivos no entorno, a expansão acelerada da expansão imobiliária, além da devastação da vegetação nativa e extinção de espécies animais, marcaram o tom da conversa.

Fernando Tatagiba “Apesar dos avanços, para conservar os recursos hídricos é preciso muito mais que o Parque e as unidades de conservação.”

Criado em 1961 pelo decreto do então presidente Juscelino Kubtschek, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros iniciou com um território de 650 mil hectares sob a justificativa de preservar a beleza cênica da área, preservar a grande riqueza natural da região e já combater a especulação imobiliária com a criação de Brasília. De lá para cá o perímetro estabelecido sofreu modificações, chegando a 171 mil hectares durante o governo militar, até que em 2009 por meio de um debate junto à população local foi dado início ao processo de aumento do parque realizado em 2017. Através de um diálogo com a sociedade os novos territórios foram ajustados de acordo com áreas de preservação, ocupação humana e de potencial turístico. O parque é considerado Patrimônio Natural da Humanidade por abrigar uma sua riquíssima biodiversidade.

De acordo com o chefe do Parque, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fernando Tatagiba, que fez esse resgate histórico no início da sua palestra, é preocupante a especulação imobiliária da região com o acelerado crescimento de hotéis, pousadas e moradias no entorno, além de lavouras como a monocultura de grãos (soja e milho, principalmente) e eucalipto. O bioma cerrado está vivendo de forma intensa o que a mata atlântica passou ao longo dos anos, avaliou

“A cobertura vegetal estava num processo acelerado de redução e devastação. Foi dando lugar a milho, sorgo, eucalipto e outras plantações, e um processo de ocupação bastante acelerado. Temos no miolo do Parque uma Estação Ecológica Estadual, que é ótima e ajuda a compor o mosaico de áreas protegidas. A Chapada tem a maior concentração de RPPN no Brasil, agora vamos começar o processo de reconhecimento dessas áreas protegidas para além das Unidades de Conservação”, acrescentou.

Apesar dos avanços, para conservar os recursos hídricos é preciso muito mais que o Parque e as unidades de conservação, complementou o gestor. É necessário, nesse sentido, um diálogo com os proprietários para fazer valer as leis ambientais e cessar a expansão predatória da agricultura de grande escala. Noutra perspectiva, a ampliação do Parque potencializa ainda mais a capacidade eco-turística da região.

“O Parque já recebe um número cada vez maior de visitantes, há dez anos era vinte mil por ano e em 2017 deve ser setenta. Movimento cerca de R$ 100 milhões por ano como indutor econômico junto aos moradores. Além da preservação da água, que é a base da vida: são 466 nascentes mapeadas nessa área do parque conservadas. Daí a importância instalar o Cadastro Ambiental Rural e estabelecer os corredores ecológicos, pois as reservas não são em função do interesse econômico: devemos respeitar as áreas de maior interesse hídrico”, defendeu.

Para melhorar a gestão dessas categorias ambientais aproximadas na região seria preciso integrá-las de forma participativa, mas até hoje não houve um reconhecimento por parte do Ministério do Meio Ambiente. Essa foi a tese levantada por Marcos Sabóia, presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Alto Paraíso (COMDEMA), que defende uma gestão territorial de conservação dentro de uma política federal de desenvolvimento voltada para a biodiversidade.

“Nossa região é produtora de água, só que não recebemos por isso. Muitas áreas a utilizam em grandes plantações e para os animais. Esses segmentos econômicos dizem que estamos engessando e travando o progresso, mas estamos falando de uma questão nacional: o cerrado é responsável por 75% das bacias hidrográficas do país, e só tivemos oportunidade de mostrar isso quando teve a crise hídrica em SP”, lembrou.

Os moradores estão percebendo uma diminuição gradativa das plantas e águas nos últimos anos, inclusive a barragem que abastece Alto Paraíso quase secou no ano passado, além de nascentes que sumiram nesse período. O ambientalista também acredita que só preservar não é o suficiente, porque todo o entorno está sendo desmato e contaminado.

“Os aquíferos estão secando e sendo envenenados, matando a fauna que está intrinsecamente ligada ao ecossistema. A APA de Pouso Alto é uma unidade de proteção integral, tudo é permitido se passar por estudo e fizer parte do zoneamento. O Código Florestal acabou com nosso estágio de altitude, mas temos a área de Conservação da Vida Silvestre, que fica numa reserva legal, na qual para cada hectare existe uma cota do cerrado em pé, que é um titulo de capital a ser negociado. Uma ação inovadora. Também conseguimos avançar contra os transgênicos, agrotóxicos e hidrelétricas, barrando alguns projetos”, disse.

Ressaltando que a situação do cerrado está bastante crítica, Thomaz Enlazador, do Instituto Biorregional do Cerrado (IBC), reforçou que é preciso tomar decisões para além da ampliação do parque. É importante garantir a conservação dos 240 mil hectares e os corredores ecológicos, mas sem impedir o avanço descontrolado da agricultura e dos grandes conglomerados não surtirá o efeito esperado no longo prazo.

“Estão plantando soja, milho e sorgo para alimentar bicho com acionistas na China, nessa  lógica perversa. Uma coisa que não entra muito no discurso conservacionista, pois tem várias ferramentas, como o sistema agroflorestal, que é preciso avançar na recuperação desse cerrado e nascentes.  Órgãos públicos e entidades da sociedade civil precisam enfrentar essa problemática e começar a plantar agora para daqui a 20 anos ter resultado”, observou.

De acordo com o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o nordeste goiano está no mapa mundial das áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas. Se não for possível recuperar de alguma forma o cerrado, sustentou o ambientalista, pelo menos tentar impedir essa monocultura que está afetando toda a biodiversidade da Chapada.

“Por incrível que pareça o ministro do ambiente é um cara que dialoga e materializa essa agenda do movimento sócio ambientalista. Todos nós que somos Fora Temer tivemos poucos avanços e interlocução com os governos anteriores, que se renderam ao agronegócio. Isso custou muito caro à biodiversidade, daí a importância de fortalecer essas linhas de financiamento de conservação com produções ecológicas. Na área sócio-ambietalista somos poucos e tivemos poucas vitórias e precisamos de muita ajuda. Existem várias tecnologias sociais na agroecologia que precisamos aplicar”, concluiu.

Representando o Ministério do Meio Ambiente, Rodrigo Augusto Medeiros elogiou a iniciativa de integrar os índios e brancos numa nova forma de lidar com os conflitos para abrir uma agenda na questão sócio-ambiental. “Vivemos num momento político bem peculiar em que essa pauta, principalmente indigenista, tem sofrido certa perseguição. Então esse espaço de diálogo tira um pouco do peso e a sociedade fomenta a agenda”, falou.

FONTE:http://www.encontrodeculturas.com.br/2017/

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