Sustentável: Chapada dos Veadeiros: berço da agricultura

Fazendas ecológicas, extrativismo responsável e fruticultura confirmam a vocação da região para a agricultura sustentável.

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Simões (Especial para O VETOR)

Conhecida como o “berço das águas”, a Chapada dos Veadeiros também vem sinalizando seu potencial para a agricultura sustentável. Diversos exemplos revelam que é possível buscar alternativas para que o setor agropecuário na região central do país possa ser, ao mesmo tempo, produtivo e ecológico.
“A chapada tem um potencial incrível para frutas e armazenamento de grãos. Temos exemplos excelentes de produção de uva, maracujá, café e muitos outros”, afirma o fazendeiro JersonNagel, ex-secretário de agricultura do município de Alto Paraíso. Ele conta que o Sindicato Rural de Alto Paraíso está investindo na retomada de um projeto de fruticultura para a região.

Jerson Nagel, na Fazenda Posse: potencial da Chapada para a fruticultura
Jerson Nagel, na Fazenda Posse: potencial da Chapada para a fruticultura

Durante esta reportagem, Jerson estava fazendo a primeira colheita na plantação de maracujás realizada em sociedade com o fazendeiro Marcus Rinco, na Fazenda Posse, em Alto Paraíso. Os 2,5 mil pés de maracujás foram plantados em 2 hectares, aproveitando-se a estrutura de uma antiga área de parreiras para videiras.
Entre caixas de frutos sadios e vistosos, Jerson comenta: “ainda enfrentamos muitas dificuldades, pois a agricultura no Brasil é um mercado livre e sem planejamento. O preço da safra de maracujás na Bahia, por exemplo, nos prejudicou”. Ainda enfatiza que a produção de polpa a partir dos frutos com aspecto inferior é apenas um recurso para diminuir perdas: “Tem muito romantismo nesse negócio de polpa, o custo de produção é muito alto e o lucro fica pequeno. Para produzir 1kg de polpa são necessários 4 kg de maracujá”.
Mas é em sua propriedade de cerca de 70 hectares, no Povoado do Moinho, ainda no município de Alto, que Jerson e seu meeiro Inocêncio Xavier, o Tim, dão um belo exemplo de agricultura sustentável. Eles ocupam apenas 12 hectares da área total com plantações, mantendo faixas de separação, grotas e morros com cerrado em recuperação. “Trinta anos atrás, aqui era tudo pasto, o chão era pilado”, afirma Tim. “A nascente antes secava, agora não seca mais”, completa Jerson.
Em sistema de rotação e entre extensos corredores de mata, são revezadas roças de feijão, mandioca e banana, inclusive as originais “nanicas” bastante apreciadas na Feira do Produtor Rural de Alto Paraíso, que acontece nas tardes de terças e manhãs de sábados.

Santuário ecológico
A Fazenda Volta da Serra é outro exemplo emblemático. Situada no entorno direto do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, na zona definida como de transição, é conhecida na região por possuir grande potencial para conservação da natureza e maior proteção do Parque. A propriedade tem uma reserva de 172 hectares, para a qual foi elaborado um plano de manejo por cientistas (em grande parte da Universidade de Brasília – UnB) e com a participação dos proprietários. A área foi averbada em cartório como Santuário de Vida Silvestre Fazenda Volta da Serra, em acordo com o Programa Santuários de Vida Silvestre na região do Cerrado, executado pela Fundação Pró-Natureza e apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID.
“Com a crescente demanda do turismo ecológico, na região da Chapada dos Veadeiros, a Volta da Serra foi sendo pressionada para ser aberta à visitação. Muitos guias que conheciam o local passaram a levar pessoas sem autorização, chamando a atenção que era chegado o momento de se pensar nesta questão”, conta Lauro Jurgeaitis, proprietário da fazenda.

Produção agroecológica de café
Produção agroecológica de café

No local, há atrativos, como o Ribeirão São Miguel com suas águas cristalinas e que hoje é o local de captação para fornecimento de água para população do Povoado São Jorge. Nele, se destacam duas cachoeiras: a do Rodeador e a Caminho da Lua, com águas que seguem para o famoso Vale da Lua. Há ainda a cachoeira do Cordovíl que fica a 4.500 metros da sede da Fazenda.
Após a implantação do Santuário, os proprietários criaram o Centro de Visitantes e o Centro de Apoio à Pesquisa. “Atualmente, também apoiamos o projeto DOC Cerrado, que fez o registro (foto/filmagem) de animais em extinção e endêmicos”, explica Jurgeaitis.
Além de oferecer atividades de turismo, a Volta da Serra produz alimentos orgânicos, seguindo a tradição da propriedade, que não tem histórico de utilização de produtos químicos. Há uma produção agroecológica de café integrado com frutas e apicultura: mel orgânico e meliponicultura, que é a criação de abelhas nativas ou sem ferrão como as jataís.

Lauro Jurgeaitis, proprietário da Fazenda Volta da Serra, e sua apicultura ecológica
Lauro Jurgeaitis, proprietário da Fazenda Volta da Serra, e sua apicultura ecológica

“Nossa venda é feita respeitando o princípio agroecológico de proximidade onde os alimentos são produzidos. Participamos da feira do produtor em Alto e em São Jorge. No comércio local temos a venda direta em empórios”, conta Jurgeaitis. Ele afirma que entre os maiores desafios enfrentados pela Volta da Serra, está a dificuldade em encontrar mão de obra qualificada. Como saída, a fazenda apoia a formação de alunos, como no curso de apicultura oferecido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR).

 

 

 

 

 

SargamShook e Danielle Faustini, proprietários da Ybá: depois de retirada a castanha do baru, restos viram compostagem
SargamShook e Danielle Faustini, proprietários da Ybá: depois de retirada a castanha do baru, restos viram compostagem

Baru, a castanha do cerrado
Conhecido como “ouro do cerrado”, o baru virou o carro-chefe da empresa Ybá, fundada há cinco anos em Alto Paraíso. “A ideia era preservar a cultura do extrativismo do cerrado, a colheita de frutos de árvores silvestres e envolver os moradores da área rural”, conta o dono da empresa SargamShook.

Até então desprezado pelas pessoas, já que a quebra da casca é muito difícil, e venerado pelos bois e vacas que lambem sua polpa adocicada, o baru passou a ser recolhido pela comunidade, que agora vende o fruto para a Ybá. A empresa processa 30 kg da castanha diariamente para fazer produtos, como a castanha torrada e o óleo prensado a frio. “Queremos ampliar, desenvolver maquinário e tecnologia para aumentar a quebra para 50kg diários”. A Ybá também faz óleo com gergelim colhido pelos calungas.
“Desenvolvemos um trabalho social, incentivando as famílias nos municípios onde buscamos o baru a não arrancar o fruto das árvores, colhendo somente o fruto que cai do baruzeiro, além de sempre deixar frutos ao redor da árvore dando continuidade ao extrativismo sustentável.”, explica Sargam. O baru é recolhido no entorno da Chapada dos Veadeiros, em fazendas, assentamentos, etc. A colheita é feita durante 3 meses do ano (agosto, setembro e outubro) e os frutos ainda na casca podem ser estocados por dois anos.
A árvore, sendo uma leguminosa de crescimento rápido, ajuda na fertilidade do solo, criando sombra e alimento para animais de várias espécies. O fruto e a castanha do baru têm em sua composição natural várias vitaminas, minerais, anti-oxidantes e nutrientes. Com ótimo valor culinário, a “castanha do cerrado” também é popularmente conhecida como viagra do cerrado por seu potencial afrodisíaco.
“Nossa experiência tem ajudado a mudar a visão das pessoas daqui. Antes queriam fazer carvão do baruzeiro, agora estão apagando fogo, querem manter a árvore em pé”, orgulha-se Sargam, que também tritura as cascas de baru para fazer composto orgânico. Com ajuda de outras pessoas, ele plantou mais de 3.000 pés de baru na fazenda Boa Esperança, a 50 km de distância do Alto Paraiso.
“Somos pioneiros. Conseguimos criar uma empresa sustentável, que cobre uma cadeia completa, com produtos saudáveis, envolvimento da comunidade e baixo impacto no meio ambiente. A gente não queria nada artificial, fazer algo e colocar química, adoçante. Nossa empresa é inteiramente correta”, completa Danielle Faustini, também proprietária da Ybá.

Receita “pesto de baru”

Indo ao encontro da tendência da gastronomia mundial em valorizar os sabores regionais e o consumo responsável, o baru vem sendo utilizado por diversos chefs renomados. O pesto, tradicionalmente feito com outras castanhas, se transforma em uma iguaria quando feito com o baru. Pode ser guardado por bastante tempo na geladeira e utilizado em massas, torradas e saladas. Quatro colheres de sopa bem cheias são suficientes para 500 g de macarrão. É só acrescentar à massa quando cozida e ainda quente, e servir em seguida. Basta triturar os ingredientes abaixo em um processador ou liquidificador até obter uma pasta. Ela não necessita ser totalmente homogênea para que os vários sabores possam ser realçados.

Ingredientes:
Uma xícara de castanhas de baru torradas
Uma xícara de manjericão (com o roxo fica ainda mais saboroso)
Uma xícara de azeite
Um dente de alho amassado
Sal a gosto
Três colheres de sopa de queijo parmesão ralado

Polêmicas da vez
Duas audiências públicas realizadas recentemente na Chapada comprovaram a complexidade que marca as diversas questões a respeito da preservação do meio ambiente na região. A primeira audiência, realizada em Alto Paraíso para esclarecer os pontos do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), foi marcada por discussões calorosas entre representantes da empresa autora do plano, a Xapuri, da prefeitura e da sociedade civil.
Entre os pontos mais polêmicos do PMSB estavam: a possível construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), cujos efluentes seriam despejados no Rio São Bartolomeu, um dos mais importantes da região em termos ecológicos, sociais e econômicos; e a futura localização do lixão. Quanto a esta última questão, moradores reclamaram que o lixão de Alto Paraíso está contaminando o solo de áreas muito próximas ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, e que o lixão de São Jorge encontra-se muito próximo a comunidade, proporcionando moscas em excesso. Por outro lado, elogiou-se o programa de reciclagem que a prefeitura deu início recentemente.
A outra audiência foi relativa ao plano de manejo para a Área de Preservação Ambiental (APA) Pouso Alto, discussão que vem se prolongando há bastante tempo e dividindo a opinião de ambientalistas e setores do agronegócio. Entre os pontos mais polêmicos do projeto apresentado pelo governo de Goiás estão a permissão para pulverização aérea de agrotóxico, o aval para a implantação de hidrelétricas e regras para delimitação de zonas protegidas.
Na última reunião do conselho consultivo da APA, no dia 25, em Colinas do Sul, as polêmicas discussões continuaram e novamente não foram conclusivas. Uma grande manifestação da sociedade civil foi organizada para mostrar a insatisfação com o plano. De um lado, ambientalistas alegam que o cerrado corre risco de extinção com as novas regras, enquanto agricultores veem exagero em tais previsões. No dia 22, no Jardim Botânico de Brasília, também houve manifestação da população em ato contrário ao plano de manejo, evento que contou com bandas e artistas engajados na preservação do Cerrado.
Segundo a Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SEMARH), a APA do Pouso Alto foi criada por meio do Decreto Estadual no 5.419, de 07 de maio de 2001, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento sustentável e preservar a flora, a fauna, as águas, a geologia e o paisagismo da região. A área está inserida numa área denominada como hotspot, conceito definido para zona prioritária de conservação, de rica biodiversidade e extremamente ameaçada devido à grande pressão antrópica que sofre em função do extrativismo e da expansão agropecuária no nordeste goiano.
A APA possui 872.000 hectares e está localizada na microrregião da Chapada dos Veadeiros, ocupando aproximadamente 2,36% da área estadual, abrangendo os seguintes municípios: Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Colinas do Sul, Nova Roma, São João da Aliança e Teresina de Goiás.

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